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Minas tem 15 mulheres agredidas a cada hora

Minas tem 15 mulheres agredidas a cada hora

 

Quinze mulheres sofrem algum tipo de violência doméstica por hora em Minas. Só nos primeiros seis dias do ano, 2.186 se tornaram vítimas dentro da própria casa. O crime engloba da agressão verbal à física e termina, não raro, em morte. Especialistas e até autoridades são unânimes em afirmar que a cultura machista e violenta da sociedade motiva a covardia.

Os números, que já lançam um alerta, vão crescer ainda mais. Até ontem, o Hoje em Dia contou pelo menos dez feminicídios no Estado. O caso mais recente envolveu uma fisioterapeuta, de 37 anos, assassinada pelo ex-marido em Formiga, na região Centro-Oeste, na semana passada. O homem ainda atirou na filha dela, de 15 anos. Ele se matou em seguida.

Mesmo quem consegue se salvar não tem garantia de paz. Muitas vezes, a violência sofrida muda toda a rotina da vítima. Uma jovem de 28 anos, moradora de Viçosa, na Zona da Mata, vive este drama há cerca de dois meses.

Em novembro, o ex-namorado dela a agrediu com cinco socos no olho. O processo criminal e civil está em tramitação na Justiça, e a mulher conseguiu uma medida protetiva. Para ela, porém, isso não é suficiente. “Ele não está impedido de circular pela cidade. Eu é que estou escondida, não me arrisco. Ele já quebrou a minha cara”, desabafa.

Mesmo assim, a advogada da jovem explica que a providência é necessária. “Primeiramente, é preciso proteger a mulher. Depois, procurar o agressor para a punição”, explica.

Viçosa não tem uma delegacia especializada em crimes contra a mulher. Procurada, a Polícia Civil informou que a ocorrência pode ser registrada em qualquer unidade ou pela Polícia Militar.

Prevenção

Para quem investiga os casos, mais do que punição, é necessário atuar na prevenção. Titular da Delegacia da Mulher, Kiria Silva Orlandi diz ser preciso mais trabalhos de conscientização, não só por parte do poder público, mas da sociedade como um todo.

“Neste sentido, é importante, por exemplo, que falemos do tema nas escolas, nas conversas de família. Nos bate-papos entre amigos. Há homens que presenciaram a violência doméstica com as mães e avós, mas não percebem que estão cometendo isso com a namorada”, diz.

Pesquisador do tema, o psicólogo Marcell Santos, mestre pela Faculdade de Medicina da UFMG, entende que políticas públicas voltadas exclusivamente para as mulheres são “enxugar gelo”.

“Precisamos convocar o agressor, não apenas para que seja punido pelo direito penal, mas para que possa ressignificar a agressão”.

A estratégia focada apenas na punição, diz ele, explica porque há homens que, mesmo após saírem da cadeia, matam a denunciante.

A professora Carla Silene, membro do Instituto de Ciências Penais (ICP), vai na mesma linha. “O Estado precisa investir em trabalhos de educação de jovens, homens e mulheres no tema, programas de educação e assistência social”.

Comportamento indica que história pode ter fim trágico

Os processos relativos a feminicídio cresceram 75% na Justiça de BH no ano passado. Foram 58 novos casos em 2018, ante 33 em 2017.
A delegada Alice Batello, da Delegacia de Homicídios, alerta, porém, para o fato de que as mortes podem ter “começado” muito antes.

“Em geral, o assassinato é a ponta da violência doméstica que vem de tempos atrás. Sinais como controlar os lugares a que a vítima vai e agressões física e psicológica demonstram o perigo iminente”.

Se não tivesse percebido o que estaria por vir, a cozinheira Francisca Maria da Silva, de 54 anos, vítima de cárcere privado por uma década, talvez tivesse engrossado as estatísticas.

As agressões do ex-marido começaram quando a primeira filha do casal, hoje com 29 anos, tinha cinco meses. “Ele me restringiu de trabalhar, ter amigos, viajar sozinha e ir a certos lugares. Mas eu não entendia isso como violência”.

Ela conta ter levado 15 mordidas no seio esquerdo e sofrido ameaças de ter a casa incendiada. “O denunciei por oito vezes. Na nona vi que ou separava, ou morreria”, relembra.

Na ocasião, o então companheiro, em uma discussão, jogou o veículo contra a trincheira da Pampulha, com ela e os três filhos a bordo. Francisca teve cortes no rosto e passou por cirurgias plásticas para a reconstituição da face. “Hoje, vejo que não precisava ter esperado tanto tempo”, afirma.

Apoio

A cozinheira diz ter contado com apoio psicológico, jurídico e consultoria financeira do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim) e do Benvinda – Centro de Apoio à Mulher, ambos da Prefeitura de BH. A casa funciona na rua Hermílio Alves, 34, no bairro Santa Tereza, região Leste da capital.

Lá, são prestados serviços de orientação às vítimas de violência doméstica. “Há 22 anos, o Benvinda é um espaço fundamental de proteção à mulher”, explica o subsecretário de Direito e Cidadania da capital, Thiago Costa.

Segundo o governo de Minas, nas delegacias há estrutura para atendimentos especializados, inclusive de equipes psicossociais. Sobre os trabalhos de conscientização junto aos agressores, o Estado não se pronunciou.

A respeito da Delegacia Especializada em Feminicídio, anunciada em 2018, pelo governo anterior, informou que a implantação da unidade está em análise pela chefia da Polícia Civil.

Hoje em Dia

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